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sexta-feira, janeiro 21, 2011

'Só Deus sabe o que vai acontecer na próxima chuva', diz morador da serra



Apesar de rachaduras nas ruas, moradores continuam nas casas. ‘Não há risco de deslizamento, porque não está chovendo’, diz Defesa Civil.

Robson Bonin
Do G1, em Nova Friburgo

Rua do aposentado José Marcos Daudt, 53 anos, está com rachaduras abertas.
(Foto: Robson Bonnin / G1)
As rachaduras abertas na rua do aposentado José Marcos Daudt, 53 anos, são o que justificam a frase com ar de prenúncio e medo: "Só Deus sabe o que pode acontecer na próxima chuva forte." Morador do bairro Vilage, em Nova Friburgo, "Marquinhos", como é conhecido na vizinhança, faz parte de um grupo incerto de friburguenses que permanece em áreas já condenadas pela Defesa Civil.

Para forçar a evacuação das casas, a prefeitura cortou nesta quinta-feira (20) o fornecimento de água e luz na região, mas admite não ter condições de retirar as famílias mais resistentes. Enquanto a Justiça não determina a desocupação, uma tragédia sem proporções permanece armada nos morros da cidade, à espera da próxima "chuva forte", como afirma Marquinhos. "A Defesa Civil veio aqui e disse que a gente tem que sair, mas sair para onde?", questiona.

Construída em uma encosta a mais de cem metros de altura em relação ao rio, a casa de Marquinhos abriga nove familiares, dentre os quais a sogra de 84 anos, que já não consegue andar. O muro que sustenta o terreno da casa está parcialmente inclinado e o abismo aberto pela chuva logo do outro lado da rua tem, pelo menos, 60 metros de queda livre até atingir o telhado da primeira casa na parte baixa do morro.

'Um dia de cada vez', diz aposentado

Marquinhos e o vizinho Geraldo olham buraco aberto por deslizamento.
(Foto: Robson Bonin/G1)
Em situação de risco extremo, o aposentado diz viver "um dia de cada vez": "Com um olho no céu e outro no barranco. Quando chove forte, eu rezo. Peço a Deus para nos proteger, porque não tenho para onde ir."

Sem água e luz, o aposentado, que largou o emprego precocemente por problemas de circulação nas pernas, toma banho de caneca e desce o morro todos os dias para buscar mantimentos nos postos de doações. A estrada que leva até a casa foi coberta por lama e árvores em diferentes pontos e o trânsito de carros está interrompido: "Tenho que subir tudo isso aqui com as doações nas costas. É uma luta."

Embora admita o risco de desabamento, Marquinhos se recusa a deixar a casa para morar em abrigos. "Deve ter umas 30 casas pra cima da minha, mas só umas quatro ainda têm gente morando. Todos largaram tudo. Mas eu não saio", afirma.

Vizinho tenta convencer colega

Vizinho do aposentado, o comerciante Geraldo Moreira, 66 anos, tenta convencer o colega a deixar o morro. Proprietário de uma mercearia na parte baixa do morro, Moreira já deixou a casa de dois andares e agora mora dentro do comércio. "Essa área é mais segura e ainda tem luz. O problema é que quando aquilo tudo lá em cima despencar, vai cair aqui na nossa cabeça", avalia Moreira.

A rachadura no asfalto que contorna um grande bambuzal é o que preocupa o comerciante. "Se aquele bambuzal descer, vem direto aqui. Estamos na linha reta", afirma.

Localizado a menos de cinco minutos do centro de Friburgo, o Vilage é um bairro de ruas de calçamento com casas bem estruturadas. Moreira vive no local há 45 anos. Já Marquinhos tem 50 anos de história construída no morro que agora ameaça sua vida. "As raízes da gente um dia acabam, né?", reflete com certo ar de desolação.

Defesa Civil

Por toda parte em Friburgo, a situação do Vilage se repete. Famílias inteiras em áreas de risco e montanhas de terra praticamente desprendidas das encostas. O tenente-coronel Roberto Robadey, que coordena todas as atividades da Defesa Civil em Friburgo, admite o problema. "Antes dessa tragédia, 80 milímetros de chuva era o nosso teto de preocupação. Agora, uma chuva de 30 a 40 milímetros já vai preocupar. Hoje não há risco de deslizamento [em Friburgo] porque não está chovendo", afirma Robadey.

Segundo a Defesa Civil, antes da tragédia, cerca de 6 mil moradores de Friburgo estavam em áreas de risco. Hoje, no entanto, o número quase impossível de ser calculado. Robadey explica ainda que o órgão trabalha diariamente para mapear o comportamento do solo nas áreas de risco. "Temos tido o acompanhamento do Ministério Público e da Defensoria Pública, estamos fazendo vistorias e sobrevoos nas áreas de risco diariamente. Fotografamos a situação diária das localidades. A maioria dos imóveis estão vazios, os que não estão desocupados nós estamos interditando", afirma.

Uma semana após a tragédia que se abateu sobre a Região Serrana do Rio, equipes de busca e salvamento já encontraram mais de 760 corpos nas cidades de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e Bom Jardim. De acordo com a Força Nacional de Segurança (FNS), não há mais áreas isoladas e algum tipo de assistência já chegou até nas regiões de difícil acesso.

Fonte G1

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