Muitas pessoas se surpreendem com o fato de alguém declarar-se cristão e comunista. Crendo o primeiro no transcendente e sendo o segundo imanentista, haveria uma contradição insanável entre as duas posições.
No entanto, uma análise objetiva do fato parece levar a uma outra conclusão.
A fé de quem é cristão consiste numa aposta baseada nos valores que o Cristo veio anunciar. Acontece que esses valores são os mesmos que o comunismo proclama: igualdade, liberdade, fraternidade.
O fato de que um os atribua a Deus e outro à História não afeta a identidade entre eles e, portanto, a possibilidade das duas posições sem incidir em incoerência.
A profunda incompatibilidade entre católicos e comunistas, em tempos passados (e de certo modo, até hoje), foi o resultado de um equivoco histórico que os comunistas e católicos sinceros estão procurando consertar. O conflito deu-se na Revolução Francesa, quando a Igreja Católica, aliada à aristocracia, não conseguiu entender a profunda justiça do movimento revolucionário.
A este primeiro choque, sucedeu-se outro: quando a burguesia destronou a aristocracia e passou a perseguir as massas trabalhadoras (antigas aliadas na derrubada da aristocracia), a Igreja passou de armas e bagagens para o lado da burguesia.
Felizmente, contudo, muitos cristãos não aceitaram essa traição ao Cristo e colocaram-se do lado dos trabalhadores.
Há toda uma tradição de cristãos sociais, herdeiros desses primeiros combatentes pela causa do povo.
Recentemente, golpeados pela experiência fracassada da União Soviética, muitos marxistas começaram a rever suas posições anticlericais e dogmáticas. Não se trata de um acordo político, mas de uma revisão teórica.
O alerta pioneiro deve-se a Ernst Bloch. Recentemente Terry Eagleton, Slavoj Zizek e vários outros adotaram a mesma linha.
Em livro admirável, denominado "O Frágil Absoluto", Zizek defende a tese de que o imanentismo marxista explica todos os problemas decorrentes das contradições de classe, mas não tem o que dizer em relação a varias questões que escapam desse conflito. Sendo assim, não há razão para deixar de considerar válida uma explicação que recorre a outros elementos para explicá-las.
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