“Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores.” Mateus 6:12 (NVI)
quinta-feira, abril 05, 2012
Sabemos perdoar?
segunda-feira, agosto 29, 2011
A abominável igreja cristã
por Maurício Zagari
sexta-feira, agosto 26, 2011
Dez coisas que aprendi sobre Deus com os pastores da TV
Já sou um tanto antigo nessa coisa de TV e ano que vem completo a maioridade etária nessa coisa de religião. Sou de um tempo em que as manhãs de sábado tinham Jimmy Swagartt na antiga TV Bandeirantes (Band vem daí, novinhos) e Caio Fábio aparecia vez ou outra na Globo (sonho de consumo e masturbação egoica do Silas atualmente). Vi os primeiros programas do Edir ainda cabeludo e tenho até saudades do tempo em que o Malafaia usava bigode.
De lá pra cá, adultérios e escândalos à parte, muita coisa mudou. O que era pouco se acabou… Opa, música errada. O que era doce azedou. A Band hoje tem dúzias de pastores em sua programação, a Globo resolveu não se misturar mais com essa gentalha, a Record foi comprada pela veterotestamentária IURD e, como grana pouca é esmola, vieram a Record News e várias estações de rádio. Por falar em gentalha, o SBT continua firme e forte (tá, nem tão firme assim), resistindo à investida dos milhões feitos de tostões.
Bom, mas não é esse o mote aqui. Quero compartilhar dez coisas que aprendi ao longo dos anos sobre Deus com os pastores televisivos. Vamos lá:
1. Deus é bipolar
Pra não dizer esquizofrênico, digo que aprendi que Deus é bipolar. Afinal, cada um dos quinze tele-evangelistas (os que consegui me lembrar enquanto escrevo) diz que Deus é, pensa e age de um jeito diferente. Uma hora Deus é amoroso e perdoador, na mesma hora, mas em canal diferente, Deus é irado e pronto a nos destruir com requintes de crueldade. Um diz que ele só quer o coração, outro diz que "é tudo ou nada", ou melhor, com Deus "ou dá ou desce". Como sei que nenhum deles mente ou fala do que não conhece, a conclusão óbvia é que todos estão certos e, portanto, Deus é, digamos, bipolar. Isso sem contar no discurso dúbio de "graça e alegria" pro pecador e "choro e ranger de dentes" pro já converso.
2. Jesus é masoquista
Juro que já ouvi "Jesus exultou de alegria naquela cruz" e "Jesus ansiava pela crucificação". Até entendo o que Max Lucado diz quando fala que "Ele escolheu os cravos", mas a quantidade de descrições adjetivadas e minuciosas sobre os sofrimentos de Jesus me dão a certeza de que os pastores acreditam que Jesus gostava de sofrer.
3. Deus já foi de direita, hoje é de esquerda
Na verdade, o que tenho visto ao longo dos anos é que Deus é governista, sempre, de forma irrevogável (oi, Mercadante). Os pastores dizem que devemos orar pelas autoridades (o que é bíblico), mas o que mostram é que Deus gosta mesmo é de um poderzinho temporal. Poucas vezes vi um pastor televisivo reclamando do desmazelo e ineficiência dos governos. Antes, mostram sempre seus melhores ângulos quando suas igrejas são visitadas pelos políticos. Será que rola um cabide de empregos celestial? Acho que sim, pois em toda denominação televisionada, Deus tem seus candidatos escolhidos e maldições prontas pros rebeldes que ousarem desafiar a lei do "irmão vota em irmão".
4. Deus não inventou as borboletas
Coitadas, criaturas infernais, crias de Belzebu. Sim, numa dessas matinês vi um pastor explicando como a Nova Era estava usando a Disney para nos encher de mensagens subliminares (que de tão óbvias penso serem sublinhadas) e nos enfeitiçar. Prova de que os desenhos animados trazem a mensagem do capiroto? Sempre há uma borboleta voando quando o personagem corre perigo. Tadinho do Bambi, que além de órfão virou um ser possesso por uma pomba-gira. E o Corujito? Então, não se esqueçam: borboletas são bichinhos do mal.
5. Deus gosta duma muvuca
Deus é um cara popular, digo mais, popularesco. O Céu deve parecer o Programa do Ratinho nos velhos tempos. A julgar pelos cultos transmitidos, em especial os de extors…, digo, exorcismo, Deus não gosta daquela coisa certinha, ordeira e calma. O pau quebra e o barraco treme quando Deus está presente, foi o que aprendi com a pastorada da TV. Desde os tempos de Davi Miranda que sabemos que o barulho é porque Deus está operando (e sem anestesia).
6. Deus é surdo
Seria essa uma redundância com o item acima? Acho que não. Mas deixe-me corrigir: Deus é deficiente auditivo (em tempos de politicamente correto, sabe como é, né?). Ocorre que aprendi ao longo de quase duas décadas que é preciso falar alto, repetir mais alto e, por último gritar com Deus para que ele ouça nossos pedidos. Sempre que ouvir a deixa "com mais fé, irmão" é porque naquele dia a coisa tá difícil de chegar aos ouvidos divinos. Encha os pulmões e tente a sorte.
7. Deus é chantagista
Triste constatação. Mas não tem jeito. Aprendi muito bem explicadinho que Deus dá piti, toma presentes, fica de mal, emburra e, às vezes, até promete ir embora e levar a família com ele, nos deixando na sarjeta da solidão, na rua da amargura, na porta do inferno abraçados com o capeta. Tudo isso se não cumprirmos cada um dos caprichos divinos que os pastores gente fina fizeram o favor de catalogar e nos repassar pra não ficarmos mal na fita com o Poderoso. Coisa parecida com as avós que dizem horrores se não formos todo domingo almoçar na casa delas.
8. Deus tem problemas em manter sua santidade
Das coisas que aprendi com a pastorada da TV, talvez essa seja a que mais me confundiu de início. Segundo vi e ouvi em anos de programação evangélica, Deus é santo, muito santo, santíssimo. Ok, é bíblico. Até Jesus confirmou isso. Mas essa santidade toda dá um trabalhão. É uma mania de limpeza sem fim. É coisa de limpar as vestes toda semana, a preocupação dos pastores em lavar os pés do povo da igreja em água com colônia de rosas, em vestir um manto sagrado, em se enxugar numa toalhinha abençoada, até em por uma touquinha na cabeça já falam. É como se santidade fosse saúde, mas pra se manter saudável, Deus não permitisse que chegássemos perto antes de tirar todos os germes da roupa, da pele e dos sapatos.
9. Deus gosta mais dos caçulas
Diz Jesus que Deus é pai, mas os pastores me ensinaram a verdade: Deus é avô. E tem predileção pelos caçulas, pelos novinhos (sem menção à pedofilia aqui, faça o favor). Ocorre que Deus vai perdendo a graça com os assuntos mais antigos, dos pastores e cristãos mais velhos. Deus gosta é de novidades, dos assuntos do momento. Pra que hinos e canções, se a onda agora é louvorzão e baladas gospel? "Deus é jovem" ouvi uma bispa dizer antes de ser presa com dólares na ca…pa da Bíblia. "Deus é dez", "Deus é da hora", "Deus é irado" (se bem que faz sentido se lembrarmos que Deus é bipolar) são coisas que aprendi vendo os programas televisivos mais animadinhos. Sem contar que Deus agora tá numa onda de grupinhos que precisa ver. No meu tempo, era panelinha, mas tudo bem.
10. Deus gosta mesmo é da minha grana
Por fim, algo que me decepcionou em Deus, mas que agradeço aos pastores da TV pela sinceridade com que tratam o assunto: Deus é interesseiro. Lendo sobre Jesus no Novo Testamento, cheguei a ter uma primeira impressão legal de Deus sobre esse aspecto. Mas logo os pastores me contaram a verdade. Se eu quiser alguma coisa com Deus, o jeito mais fácil é molhar a mão do ser divino. Tenho minhas dúvidas agora com o lance de "dono do ouro e da prata", mas vá saber. Sei que pastor não mente, portanto a coisa a se fazer para conseguir algo de Deus é pagar. Há pastores mais modestos que operam nos 10% regulamentares, mas há alguns que por um pouco (ou muito) a mais conseguem agilizar a bênção. Há taxas específicas, como os R$ 900,00 para a casa própria ou os 30% pra Deus abrir as portas. Mas algumas regalias e favores divinos só funcionam na base do tudo ou nada. Esteja (com o talão de cheques) preparado.
Não sei bem o que fazer com tudo isso que aprendi sobre Deus com os pastores da TV. Alguma dica?
Fonte Blog do Tom Fernandes
quinta-feira, agosto 25, 2011
Pecado é Entropia, o Reino é Potência
Este final de semana, tive um diálogo muito frutífero com meu amigo Aender Borba, autor do blog psi-cultura. Ouvi-lo falar sobre a existência do trabalho antes da "queda do homem" e da falsa crença associada ao cristianismo, de que o "trabalho é uma maldição do pecado", foi muito inspirador. Como somos bons parceiros de reflexão filosófica, teológica e psicológica, e este é nosso universo, "viajamos" um pouco e chegamos a uma conclusão interessante.
Falávamos sobre entropia, termo usado na física para se referir uma grandeza da termodinâmica, que é responsável pela perda de energia inerente a alguns processos físicos, como o trabalho.
Quando a Bíblia fala que o homem "cultivava" o Jardim do Éden, o termo hebraico encontrado lá é laavdá - לעבדה - o verbo "trabalhar" em hebraico. Este verbo, como muitos verbos em hebraico, é derivado do substantivo avodá - עבדה - que literalmente pode ser traduzido por trabalho. Desta forma, dentro da narrativa bíblica, nos deparamos com um indício teológico consistente de que existia trabalho e cultura antes da queda. O que significa que a concepção de que o "trabalho" é uma espécie de maldição, após o surgimento do pecado, é uma grande falácia.
O que mudaria então? A relação ou a forma como o homem lidaria com o trabalho desde então. Por isso o texto diz:
"No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás." (Gn 3:19).Já tinha lido este texto milhares de vezes, sem contar as vezes que o ouvi. Porém, um detalhe me chamou a atenção, ao ouvir o Aender palestrando, foi o destaque que ele deu ao termo "suor". No mesmo instante, me veio a pergunta (em um estilo bem judaico de pensar): Por que suamos? Adão não suava antes? Por que não? Claramente me veio um insight!
O suor é um sintoma da entropia. Ele serve para retirar parte da energia investida em trabalho. Como o corpo humano não resiste temperaturas acima de determinados limites, a transpiração dá um tratamento termorregulador a esta energia "extra". Ou seja, o homem transpira porque não consegue aproveitar eficientemente 100% de sua capacidade de trabalho. Toda energia aplicada a um determinado trabalho, em parte, é desperdiçada.
A conclusão inevitável é que o pecado é "entrópico", o que significa que ele drena a capacidade humana de administrar sua força de trabalho, ele impede a fluidez e a distribuição apropriada de todo potencial criativo do homem.
Agora, ao inverter esta lógica. Se a queda resultou em comprometimento da capacidade criativa do homem, logo, o homem antes da queda aproveitava 100% desta capacidade. O que significa, que um esforço relativamente "pequeno" de Adão, podia resultar em efeitos criativos realmente assombrosos. Estou especulando, mas me parece uma lógica coerente.
Esta reflexão, permite uma analogia curiosa. O termo avodá (trabalho) também pode ser aplicado à adoração ou serviço. Há várias referências do uso do substantivo (e o verbo derivado dele) aplicadas à adoração, dando a ideia de "serviço religioso" (Ex. 10:26, Nm 3:7; 4:30; Dt 4:28 - relacionado à idolatria).
Em uma perspectiva judaico-cristã, não há dicotomia entre "trabalho" e "culto", entre "criatividade" e "liturgia". Toda ação realizada por um filho de Deus, deveria ser encaradas como um serviço/culto, pois remete ao Deus criativo, permitindo que o homem espalhe as impressões do Criador no mundo.
O pecado fez uma separação entre a "ação criativa" e o "sagrado". Ruptura que trouxe consequências desagradáveis e grande parte dos desconfortos humanos giram em torno disso.
Jesus falou muito sobre o Reino de Deus. Uma dimensão simultaneamente presente e apocalíptica, que permitiria os servos de Deus viverem gradualmente todo potencial da vida. A promessa de vida abundante anunciada por Jesus tem haver com isso.
Neste sentido, o texto que mais chama a atenção é o que se segue (Mateus 6:24-33):
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.As partes em negritos foram destacadas propositalmente. Pois são palavras e expressões para se compreender a radicalidade do discurso de Jesus neste texto. Observe o uso dos termos "servir" e "trabalhar".
O que Jesus está propondo é um estilo de vida radicalmente novo. Pois sua concepção de vida está para além do "comer" e do "beber". Ele destaca que existem seres na criação que são sustentados por Deus, sem "entropia", sem desperdício de energia. Há 100% de aproveitamento em todos esforço realizado por estes seres. Por isso nada lhes falta. E o homem?
O homem pretensamente autônomo não tem acesso à lógica do "Reino" e da "Justiça", vive alheio a isto. Dobra-se à tirania dos ídolos de seu tempo e não consegue perceber que é escravo, que sua capacidade criativa, sua energia está sendo drenada para prestar um serviço perverso à um sistema de morte.
Mas, quando Cristo transporta algum homem do "Império das Trevas" para o "Reino do Filho do seu Amor", este homem vive uma nova realidade e uma nova potência cultural, ele experimenta o que os apóstolos e Jesus chamavam de poder (hb. guevuŕa, gr. dynamis).
O poder de Deus expande a capacidade criativa de seus filhos. A plenitude disso, só acontecerá com a ressurreição, porém, entre os santos (como pode-se ver pelas várias demonstrações de poder pelos discípulos de Jesus narrados nos evangelho e em Atos dos Apóstolos), há uma lógica antecipatória. Por isso é possível que homens redimidos em Deus, cultivem jardins de criatividade, imprimindo no mundo música, trabalho, sabedoria, ciência, cura e conhecimentos melhores, caindo na graça do mundo.
No Reino, homens com um cajado dividiram águas de um mar, outros fizeram machados flutuar, venceram exércitos numerosos, compuseram provérbios, andaram sobre as águas, distribuíram bens entre os necessitados, cegaram charlatões religiosos, fulminaram iníquos e trouxeram justiça. A história não acabou até que todos os filhos de Deus se revelem!
Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. (Rm 8:20-21).Pecado é Entropia, Reino de Deus é potência.
Fonte Blog Pensar
segunda-feira, agosto 22, 2011
O que você não está preparado para ouvir
por Paulo Brabo
De tudo que não sinto falta na experiência do cristianismo institucional (e a lista só tende a aumentar) há três ou quatro coisas cuja mera lembrança me leva o estômago a recuar em sincera repulsa. Tanto depois, hesito mesmo mencioná-las.
Aqui está uma: estar numa sala com um ou mais líderes, conversando livremente sobre qualquer assunto, até que alguém interrompe uma pausa com um suspiro e uma observação:
– Mas o povo não está preparado para ouvir isso.
Ou às vezes, com pureza ainda mais declarada de coração:
– Pena que o povo não está preparado para ouvir isso.
Nessa única frase e no silêncio solidário que a acompanhava nos congratulávamos por sermos naquela sala líderes esclarecidos tratando de assuntos controversos que uma parcela dos nossos ouvintes potenciais – dentre eles talvez você, potencialmente imaturo leitor, – não considerávamos pronta para enfrentar. Desejávamos que fosse diferente; queríamos muito que você fosse um cara maduro e que não corresse o risco de desmoronar diante do que teríamos para revelar. Mas a realidade era dura e determinadas coisas sentíamo-nos heroicamente obrigados a calar. Para poupar você.
Testemunhei esta cena tantas vezes, em tantos contextos com tantos protagonistas diferentes, que tenho de concluir que pelo menos metade dos líderes e pastores de todos os matizes (e isso para mencionar só a porção evangélica do cristianismo) propaga e endossa publicamente uma versão menos controversa da sua crença do que aquela que realmente abraça, e escondem essa falsidade ideológica por trás da conveniente piedade de estarem protegendo da confusão e da apostasia a porção mais despreparada (e, supõe-se, mais numerosa) do seu rebanho.
Naturalmente ninguém é obrigado a propagar aos quatro ventos aquilo em que realmente crê; eu mesmo deixei de fazer isso há muito tempo. Mas esses são caras que fizeram de propagar a sua fé a sua vocação e o seu modo de vida; são sujeitos que afirmam que o destino de cada um, inclusive o deles mesmos, depende de se abraçar e de se professar de modo sincero e consistente aquilo em que se crê. E o meu testemunho é este: grande parte desses caras (talvez a maioria) sonega da sua pregação pública aquilo em que realmente acredita. Alegam estar protegendo os mais fracos da controvérsia e da perplexidade, mas nisso protegem apenas a si mesmos. Porque, graças a Deus, o povo não está preparado para ouvir, então ninguém deve dizer.
Na prática isso quer dizer que muitos pastores e líderes estão deixando de partilhar informações, convicções e dúvidas que poderiam se mostrar grandemente libertadoras para pelo menos parte de seus ouvintes. E o fazem protegidos pelo álibi da melhor das intenções.
Para trazer à memória um exemplo espetacular dessa mentalidade, basta lembrar (e que seja entre nós a última vez) a omissão dos três últimos capítulos na edição brasileira de Culpa e graça, de Paul Tournier. Como ficou provado, a porção mais controversa, menos ortodoxa e mais libertadora do livro foi sumariamente sonegada dos leitores brasileiros – isso, porque, sem margem de dúvida, algum punhado de líderes decidiu muito piedosamente que aquilo "o povo não estava preparado para ouvir".
Renira Cirelli, que foi com sua irmã gêmea uma das tradutoras originais do livro, mandou-me um email alguns dias depois de ler meu artigo sobre o assunto. Sua mensagem, da qual cito a seguir alguns parágrafos, fornece confirmação para uma história que já não se requeria grande esforço para reconstruir:
Brabo,
Que pena [que você não me contatou antes de escrever sobre o assunto]! Você ficaria conhecendo toda a verdade de uma testemunha ocular, auditiva e dinossáurica desde os idos de 1975 a 76. Isso mesmo, foi quando entreguei a versão completíssima nas mãos dos responsáveis pela Editora da ABU na época.
Demoraram dez anos para editar e publicar! Fizeram modificações na tradução, não mantiveram o estilo coloquial do Paul Tournier e cortaram os três últimos capítulos por acharem que a ABU seria hostilizada e estigmatizada como universalista.
Entregamos todos os 24 capítulos; não recebemos quase nada pelo trabalho (fizemos mesmo como missão), mas ficamos apaixonadas pelo Paul Tournier (ainda traduzi outra obra dele muitos anos depois). Fiquei muito brava com todos, porque só então descobri que cortariam os três últimos capítulos. Lembro-me como se fosse hoje do diálogo que mantivemos, eu em pé, vinda de ônibus, com um bloco imenso de folhas sulfite datilografadas nas mãos:
"Mas gente, o livro vai ter 18 capítulos sobre culpa e só 3 sobre graça! Vocês já vão alterar bastante o título original. Cada um que leia tudo e tenha seu próprio discernimento. Escrevam uma linha dizendo que a editora não se responsabiliza pelas ideias do autor, sei lá… isso não está certo!"
Voz vencida, mera serviçal do Reino… ainda fiz a tradução e versão das várias cartas daqui pra lá e de lá para cá (entre ABU e Delachaux & Niestlé, na Suíça). As cartas solicitavam a permissão da editora e do autor para serem retirados os três últimos capítulos. Eles concederam a permissão sem muita dificuldade.
Foi só desse modo, com seu conteúdo mais controverso devidamente represado, que o Culpa e graça chegou ao mercado e ao leitor brasileiro. Foi só desse modo que chegou às minhas mãos, talvez às suas: depois que gente mais iluminada do que nós certificou-se que só restava no volume impresso o que estávamos preparados para ouvir.
Culpa e graça foi publicado em 1985, mas fato é que – terceiro milênio adentro – estamos longe de abandonar a mentalidade que levou à mutilação do seu texto, porque ela é alimentada pela nossa própria obsessão em infantilizar e sermos infantilizados. A questão de meses eu conversava com um editor cristão que se via diante de dilema semelhante (e de tentação semelhante) com relação à publicação da tradução de um autor contemporâneo – e tratava-se de um texto em grande parte mais ortodoxo do que o de Tournier.
Ainda resta, e em todos nós, a tentação piedosa de censurar. John Stott era reconhecidamente conservador, mas opinou publicamente que o relato da criação em seis dias não deve ser tomado literalmente, e que o ser humano evoluiu a partir de formas de vida menos sofisticadas. Talvez você compartilhe dessa mesma convicção – mas concordará que essa é uma opinião que "o povo" está "preparado para ouvir"?
Parte do problema, naturalmente, está na importância excessiva doentia que atribuímos à opinião de pastores e líderes – para grande proveito deles, mas com a nossa conivência. É como se, se seu pastor por acaso se declarasse à favor da união entre homossexuais, você mesmo fosse obrigado a concordar com ele – ou a se casar com ele. Como se, se seu líder opinasse que a virgindade de Maria não deve ser entendida literalmente, você devesse imediatamente deixar de se ajoelhar diante de Jesus. Porque, em grande parte, estamos ligados à liderança deles de modo tão infantil que essas reações não seriam tão absurdas quanto parecem. Desprezamos os dogmas do catolicismo, mas apenas porque encontramos em nossos líderes e ortodoxias substitutos à mão.
A própria noção de pastores e líderes requerem que eles sejam mais ou menos infalíveis, e portanto pouco controversos. Além disso, e como observa meu amigo Ivan, ninguém vai querer servir-se de um líder que não se deixe manipular; se os líderes forem sempre sinceros e honestos serão sempre imprevisíveis – isto é, permanecerão inúteis para fins políticos. Em todos os casos, será menos custoso para todo mundo se eles deixarem de dizer o que realmente pensam. Mas a contrapartida é evidente: esse pacto de silêncio acaba apenas perpetuando a infantilidade que o impulsiona e patrocina. Dito mais claramente: enquanto não ouvirem determinadas opiniões, as pessoas jamais estarão preparadas para ouvi-las.
No fim das contas o que você não está preparado para ouvir talvez seja justamente isso: que o seu líder pode estar sonegando de você não só as convicções dele, mas as dúvidas dele – e isso quando por vezes basta uma dúvida compartilhada para promover uma verdadeira libertação. Por vezes a certeza de que mais desesperadamente carecemos é a de não estarmos sozinhos em nossas incertezas.
Um pastor que conheço bem certa vez alertou uma ovelha sua a meu respeito: "O Paulo é gente boa; só cuidado com o que ele escreve". O sujeito achou aquilo adorável e veio me contar. Tive de alertar eu mesmo: "Seu pastor é muito gente boa; só cuidado com o que ele não escreve".
O sujeito foi embora devidamente deliciado, e fiquei sozinho matutando o que Jesus teria dito se só tivesse dito o que estaríamos preparados para ouvir.
Fonte: A bacia das almas
terça-feira, agosto 09, 2011
Evangélicos sem espetáculo
sexta-feira, agosto 05, 2011
Sobre liturgia: Críticas e sugestões
No entanto, não é assim que acontece, não é mesmo? Temos ido ao culto pelos motivos mais equivocados e até pagãos.Nossa agitação é grande.Toda a influência desses dias nervosos e superficiais tem se manifestado nos cultos.Não conseguimos ficar nem cinco minutos em oração silenciosa.Isso sem falar na mais moderna impiedade que tem ocorrido durante a adoração: os crentes que ficam online.
Mas há o outro lado da questão,os responsáveis pela liturgia ou ordem de culto.
Por que tantos vídeos? Por que tantos avisos? Por que tantas brincadeiras sem graça nenhuma? Por que tantos relatórios? Por que o aviso de tantos eventos ? Por que a apresentação de tantas bandas, peças e danças? Nem Jó, nem Moisés conseguiriam suportar a irritação que tudo isso causa no coração de um humilde adorador! O fato é que a igreja tem que massificar as informações porque, se não, o povo não vai, essa é que é a verdade.O crente, de modo geral, não tem mais interesse nas coisas do Reino e por isso tem que sofrer uma lavagem cerebral pra comparecer nas programações da igreja.Se houvesse verdadeira piedade cristã em nós, o boletim não precisaria ser lido por inteiro no culto mas apenas levado pra casa.Ou então, apenas um site da igreja com os avisos seria suficiente.Mas por causa de nosso duro coração e porque o pastor tem que manter a "empresa" funcionando, o precioso tempo da adoração é gasto com ninharias. Que se esvaziem as igrejas então!
Ah quem dera um culto simples! Um hino tradicional, três cânticos( sem a "ajuda" de um ministrador), algumas leituras bíblicas e orações e um bom tempo para a fiel pregação da Palavra quando ainda estamos em boas condições físicas. Será que ainda teremos algo assim algum dia? Um culto simples e com todas as condições possíveis para a vinda do Espírito do Senhor...Deixem-me sonhar com isso, nem que seja só pela beleza de sonhar esse sonho.